Paisagem - o espaço comum

Foto: H.Ventura
Da Tijosa para a Moita, se fosse a cores as margens eram verdes. Muito verdes, em 1984.

 Cada vez temos mais a noção dos direitos dos animais, o respeito pelos animais orienta a nossa forma de estar, mas as nossas preocupações reais para com a natureza e a paisagem são apenas panfletárias, no que toca ao ordenamento do território, à preservação do ambiente.

As plantas, as árvores, os prados, os bosques. Os grandes rios e as complexas redes hidrográficas, os ribeiros e riachos, os vales, as ravinas, as montanhas. Lagos, tundras, florestas, oceanos... O suporte físico que é o território, onde se desenvolve a atividade humana, que transforma, apropria e desloca tudo o que é vital para a economia e para o que se diz ser o desenvolvimento, assente em pura e simples especulação de mercados, não deixa espaço para os animais viverem.

Não necessita a paisagem de ser protegida, regulamentada, produtiva de modo sustentável, por oposição a uma voracidade sem limites que deixa marcas profundas e sem retorno?

O processo de subsistência da nossa espécie implica estas transformações no processo de apropriação de recursos. Seria portanto elementar que procurássemos fazê-lo de um modo sustentável, equilibrado e inteligente, garantindo a continuidade dos elementos essenciais à permanência da natureza enquanto estrutura viva, suporte da vida, espaço onde nos movemos e vivemos. Mas não, não fazemos assim, apesar de avisados, atempadamente por alguns visionários que persistentemente nos alertam para o errado caminho que percorremos enquanto coletivo. Uma destas personalidades foi o arq. Gonçalo Ribeiro Telles.

Conheci o Arq. Gonçalo Ribeiro Telles em Lisboa, numa evento em que ele era o orador convidado. Deslocá-mo-nos a esse evento eu e a Ângela Castro, diretora da Biblioteca de Ovar, para o convidarmos a visitar Ovar e a proferir umas palavras no âmbito de uma exposição de arquitetura, do Núcleo de Arquitetos de Aveiro. Muito amável e simpático aceitou o nosso convite e na data marcada, cá veio ele a Ovar, de combóio, rejeitando a ideia de um motorista...

Fomos buscá-lo à Estação e a sua primeira impressão da área da Estação não foi boa... até chegarmos ao parque Almeida Garrett... No período que antecedeu a conversa na biblioteca, passeamos por Ovar e arredores. Fomos ao Cais do Puxadouro e ao cais da Ribeira,  vimos os azulejos e as fachadas de rés-do-chão... a escala e os largos triangulares que ocorrem aqui e ali, a estrada estruturante que atravessa Ovar desde a Ribeira até à Ponte Nova... lembro que nos detivemos na questão das estruturas agrícolas de "maceira", na fertilidade dos campos agrícolas arenosos graças ao moliço... etc.

Entre o cais do Puxadouro e o cais da Ribeira falei-lhe da possibilidade de se criar em Ovar um espaço de àrea protegida, cuja ideia é do Eng. Álvaro Reis, e se bem me lembro oferecemos-lhe  o livro deste autor, sobre este tema. "Uma boa ideia"...

Após o passeio, na Biblioteca de Ovar, reuniram-se algumas pessoas para o ouvirem e para conversarem, na tertúlia que se seguiu à visita à exposição, que não o entusiasmou muito. Mas na conversa, lembro a presença de amigos, curiosos e personalidades, e lá estavam o Padre Bastos e o Dr. Alberto Lamy.

O que ficou desta visita do Arq. Ribeiro Telles a Ovar? A sensibilidade, humildade e a simplicidade com que enunciava os seus valores paisagísticos, colocando a paisagem e o Homem numa relação harmoniosa e equilibrada, recorrendo aos modelos tradicionais das estruturas de produção agrícola como exemplo a seguir. Este aspeto "tradicionalista" característico do Arq. Ribeiro Telles seria muitas vezes  criticado por outros agentes do território, nomeadamente o arq. Sidónio Pardal, que viria a ser o arquiteto que a Câmara de Ovar do Dr. Armando França convidou, passado um curto espaço de tempo, para elaborar o projeto do parque Urbano de Ovar.

O arquiteto Ribeiro Telles era monárquico. Será fácil encontrar nas suas raízes a sensibilidade para as questões da terra e da agricultura como fatores de produção e subsistência mas também como fator de identidade e de valor paisagístico. Mas para além da sensibilidade e da estética que o definia, era um académico, e não deixou de ter a razão e a força políticas para fundar Partidos e movimentos, para lecionar projetar e protagonizando o poder, implementar o que (ainda ) resta das Reservas Agrícola e Ecológica Nacional facto que por si só o colocaria na história da urbanística portuguesa e de Portugal.

Voltando ao cais do Puxadouro... e ao cais da Ribeira e ao projeto da Paisagem Protegida da Foz do Cáster, o que temos feito entretanto? Será tempo de voltarmos a pensar coletivamente e seriamente este assunto, pois é evidente que a paisagem necessita de ser protegida colocando na equação as funções que se pretendem manter e regular.   Ou será que só nos preocupamos com os animais quando eles são de companhia?  

A diversidade ecológica das áreas em redor da Foz do Cáster tem vindo a diminuir drasticamente. A fauna e flora têm vindo a reduzir a sua dimensão e diversidade. Desde o ano 2000 até hoje essa transformação é evidente, pois bastará comparar fotografias dessa época e de hoje. E só passaram 20 anos. As construções e a atividades humana têm vindo a exercer pressão sobre este diminuto e sensível território. Esta paisagem e os seus valores , estão a ser equacionados nas obras de contenção de marés nos lugares da Marinha e Tijosa?

Desde o lançamento do livro de Àlvaro Reis, quantos atentados já se cometeram nas paisagens da Ria, sendo que esta continua a ser um dos cartazes turísticos do Conselho?

Após as eleições presidenciais que se aproximam, vamos começar a falar de autárquicas. Primeiro lentamente, mas depois em movimento uniformenete acelerado até ás eleições. Será que a economia, a luta pandémica e a crise social vão ocupar todo o espaço das campanhas? A sustentabilidade de médio-longo prazo, o ambiente a paisagem, a Ria os campos, vão ser tema? 

Tenho as minhas dúvidas. A paisagem por si só, ainda persiste como cenário de fundo para telas e aguarelas de uns tantos artistas e visionários. E após deambular pelos jardins da Gulbenkian, e pelas hortas urbanas de uns tantos municípios, voltamos ao estado normal de que afinal está tudo verde e é lindo...




Ponte da Moita, observando a paisagem, e o que resta dela. Quanto ás garças vermelhas e cinzentas... já não se vêem.


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