Marinheiro andante, não propriamente que anda, mas que flutua, navegando sobre camadas de diversas densidades, este marinheiro desafia e é desafiado por outros marinheiros e marinheiras para umas tantas aventuras a bordo do inigualável "Aventura", a embarcação que serve de mote e impulsiona travessias, autênticas travessuras do tempo misturando a adolescência dos sonhos, a arte dos carpinteiros, o prazer das regatas nas águas abrigadas, nunca abrigadas do imprevisto, da surpresa e do inesperado resultado final, drama e tragédia das navegações de outrora e de sempre.
Neste ano de imprevistos no dia-a-dia dos clubes e associações náuticas, eventos desportivos e competições foram, ora anuladas, ora redesenhadas, de acordo com as diversas leituras da realidade feitas pelos dirigentes e grupos sociais que constituem os clubes.
Os que optaram por manter os eventos, que se querem vinculativos na comunidade náutica da região, correram riscos, nomeadamente o risco do contágio pelo Covid, colocando em risco a saúde da comunidade.
Os que optaram por cancelar ou adaptar os eventos náuticos a gestos simbólicos de restrito alcance, correm também sérios riscos, nomeadamente o risco da diluição ou ausência de inscrição coletiva, factor importante para a identidade e projeção dessa mesma comunidade náutica, colocando em risco o alcance futuro desses mesmos eventos.
Mas adiante... que a maré não espera.
Após algumas obras de manutenção no "Aventura" decidimos pôr o barquinho a navegar.
Primeiro até à Torreira, praia do Monte Branco, para um almoço e volta, com as "companhons de route", marinheiras de águas calmas, memórias das praias de Benguela. Restinga, dizem elas.
o embarque, ainda com o Melody por perto, demasiado perto...
Em proa, pelas ondas...
O barquinho encalhado, o almoço prolongado, e a maré que tarda... e se faz tarde.
Na semana seguinte, 4 Horas da Costa Nova.
Pelo segundo ano consecutivo no formato Torreira-Costa Nova e Costa Nova-Costa Nova, regata organizada pelo CVCN e Pela ANT, formato interessante mas que exige persistência e estudo, e alguma reflexão quanto aos limites das marés, quanto a mim deveria a largada ser dada de modo a que a passagem da frota em S. Jacinto coincidisse com o estofo de maré. E mais apoios no canal...
Partimos de Ovar em direção à Torreira, sábado dia 15 pelas 11.30. A bordo transportávamos tudo o que era necessário para a "viagem" que incluía a travessia do canal de S. Jacinto, sendo que a regata propriamente dita começava na Torreira.
Tudo, segundo a boa tradição náutica de Ovar, significa também o fundamental lanche, de geometria variável... Neste caso, para o primeiro dia, queijinhos e presunto de Estremoz já fatiados, croquetes de vitela, cervejas, pão e água. Em suma, o peso de mais mais um tripulante a bordo, que ia libertando aromas...
Já por volta do Torrão do Lameiro testámos a cremosidade e a intensidade do queijo, a frescura da cerveja e do pão, o tempero e a cura do presunto...Tudo aprovado com sonoros murmúrios de louvor ao desenhador da ementa, o Mário, que sendo sobretudo conhecido no mundo do basket, se iniciou muito novo na vela na antiga SNADO, agora NADO, a Ovarense, sempre a Ovarense. E ainda se lembra da arte de navegar com perícia. O outro tripulante seria um amigo cujas navegações épicas foram sobretudo feitas no passado, com o avô Alfredo, mas que ainda sente vontade (necessidade?) de construir renovadas memórias, Helás, adoeceu, e recrutámos um outro antigo aluno das escolas de vela da SNADO, o Eduardo, sobrinho de um daqueles personagens que marcaram a vivência dos canais e esteiros, dos largos e das regatas até Aveiro, o senhor Belmiro, imortalizado nomeadamente pelos grandes cozinhados a bordo da sua lancha, e pela regularidade com que se empenhava nas homilias a Baco.
Numa dessas célebres homilias, após a chegada a Aveiro a bordo do seu Andorinha, e prestadas as devidas orações no templo, improvisado bar do clube anfitrião, criou um Mantra inesquecível: Entrou para o jantar no restaurante "Galo de Ouro" repetindo incessantemente a frase Ovar-Aveiro- Aveiro -Ovar, Ovar-Aveiro, Aveiro-Ovar, uma e outra vez, diversas vezes.
Diz o sobrinho Eduardo, que nos transmitiu esse mantra, que inicialmente sentiu alguma estranheza, embaraço até, mas o que é certo é que nunca mais o esqueceu, pelo que o íamos repetindo, ao longo da viagem... Experimentem, os leitores, em homenagem ao sr. Belmiro, por exemplo.
Em chegados à Torreira efetuámos as diligências administrativas da inscrição, almoçámos umas bifanas e, após o procedimentos de largada, zarpámos.
ZZZ, ZZ, ZZZ o aventura singrava sob o vento SSW, 12, 13 nós, o Vouga "Ana Maria" já ia longe, o Gilda, Vouga clássico de linhas "quebradas" recentemente restaurado, ali nas amuras de BB e o "Friga", um outro Vouga, daqueles compridos, altos e redondos, ( projeto de Mestre Alberto, também restaurado) procurava tomar a dianteira deste grupo de três Vougas a caminho da Costa Nova, entre uma frota que incluía Optimists, Darts, Lasers, Snipes, Cruzeiros, um Snipe, um Vaurien e ao longe, um Andorinha.
Já perto da Pousada da Ria, sentimos um estalido metálico, seco, algo que se partiu? Não, não era nada, mas dali a pouco o convés junto ao fusil de barlavento levanta-se... estávamos sem o brandal alto, o mastro em perigo! De imediato, a reação : "Vamos descer velas!" Mas não. Fui ver o que se passava... e sob o convés o desastre revelou-se, o estalidode uns minutos antes foi causado pela quebra, pura e simples, do esticador, que estava dividido em dois. O convés tinha aguentado o brandal, pelo que restava da ferragem, até à primeira rajada mais forte, o mastro estava seguro "apenas" pelo brandal baixo.Seria o fim da regata?
Não, não foi. Após uma reparação de emergência, continuámos. Chegámos à Costa Nova a centímetros do "Gilda", em 4º e último lugar na classe vouga. Mas a regata ainda não tinha terminado. Faltava o dia seguinte...
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