Um passeio de barco com os amigos II


St Tropez, no sopé de duas colinas

dia 17 de Maio,  sexta feira.

S. Torpes  -  St. Tropez.

Zarpámos da baía de Haggy cedo, pelas 8 horas, já com o pequeno almoço tomado, com vento ao largo de 13 a 16 nós vela grande no 1º rizo, ondulação pelas alhetas de bombordo. Sempre velejando, passámos junto á celebre Torre que faz capa num dos episódios de Tintin, "A ilha Misteriosa", e atracámos em St Tropez por volta do meio dia.

A densidade histórica deste povoado remonta a Hércules, A vila de Hércules, onde imaginamos as  ruas subindo a encosta, os templos, o monte que domina a baía e onde se apoia hoje uma fortaleza do sec XVII, que se apoia numa outra fortificação do sec XIV, que por sua vez assenta sobre os muros de uma outra e assim até ao momento em que na idade da pedra ou do ferro, ali faziam fogueiras, ou sepultavam os mortos, certamente...
Culturas em estratos, em sucessivas camadas que se fundem criando uma festividade multicultural sedimentada com o cristianismo, por fim. Hoje há festa na cidade que celebra uma batalha, que afugentou os "piratas" mas que é também celebração da maré que trouxe a esta baía, a esta praia, o corpo de S. Torpes: Segundo a lenda, apenas o corpo, pois a cabeça ficou em Pisa, onde o santo foi sacrificado pelos romanos, decapitado, pois era cristão. Uma epopeia, grande devoção, eis St, Tropez moderno...








Após as manobras de atracagem, registo no porto, etc, fomos ver a cidade, ainda muito "medieval" no seu traçado, subindo a colina orientada a sudeste dominando o golfo ... Entrámos à vela no golfo de St. Tropez entoando a música brasileira "Brigitte Bardot, Bardot, Brigitte beijou beijou...", entre outras melodias que nos transportavam para a liberdade explosiva dos anos sessenta, e toda a filmografia da época heróica do cinema europeu. Uma entrada épica e memorável.
A cidade, as ruas, as casas encostam-se tanto, tanto ás águas do golfo! aqui a maré é quase inexistente, varia uns 20 cm se tanto, as construções criam uma sucessão de espaços abrigados, íntimos, por mais que o vento sopre, por mais que o mar agite. Almoçámos pizza no restaurante "Histéria" e na mesa ao lado almoçava a tripulação do "Magic Carpet" um extraordinário veleiro de agora, "tudo em carbono" tudo negro, tripulação fixa de oito tripulantes, a treinarem para as regatas da época que se aproxima. Todos muito "chiques" muito cool, eles e elas, mas distantes, profissionais, ao que parece até ao extremo. Bebiam cocas e sumos e afins.
Antes do almoço percorremos a marginal, observando os veleiros clássicos ali amarados, (a grande vela) alguns "Fife", anos 30, e companhia. Uma grande emoção.







Após o almoço fui percorrer a cidade, visitar o museu ( que estava fechado) e que ocupa uma fortaleza dos séc XVII e anteriores, ocupando por socalcos o topo da outra colina mais a Sul,  que domina totalmente a entrada do Golfo, e que subindo, circundei a pé por entre carreiros e caminhos de pé feito e contornando a colina deparei-me com  toda entrada do Golfo e o desenho de uma outra baía onde é costume fundearem alguns iates. Um sítio onde muitas fogueiras orientaram os mais incautos marinheiros nas tempestades repentinas e inesperadas.  Sentei-me, contemplando o Mediterrâneo e as "casinhas" que, por entre pinheiros, vão polvilhando a encosta onde se encontra a casa (e o muro *) de Brigitte Bardot, assim como a casa do célebre Von Karajan, e de muitos outros, (sulistas, elitistas e talvez liberais)...
Que vista magnífica! que local estratégico, este monte/colina, testemunha da chegada de fenícios, cartagineses, gregos e romanos, e mais recentemente, eslavos, árabes, e a pouco e pouco alguns chineses...
No interior da baía, repousa fundeado, um clássico, dois mastros, lembrando os deuses do Olímpo.





De regresso ao "Macien" e após um repouso das pernas que já doíam, e um duche refrescante,  iniciámos as tarefas do jantar. Peito de frango frito com mostarda, acompanhado com legumes salteados no molho da fritura, com natas. Um arroz branco de manteiga acompanhou muito bem, assim como a verdadeira surpresa, resultado da digressão pela cidade do nosso amigo Pierre : tarte ou bolo à Tropèzienne, redondo, aí com 25cm de diâmetro, massa, creme branco com forte sabor a limão, e novamente massa. Uma massa fôfa, um créme saboroso. E não faltou o rosé e o rhum...
Uma delícia.

Pierre está muito constipado. "Macien" faz 10 anos.



dia 18, sábado. 

St Tropez - Anse du Gau


Eu e Carlos fizemos uma visita ao mercado de rua e ao "monoprix", supermercado super labiríntico, para as compras de ultima hora, antes de partirmos rumo à "Anse de Gau".
Zarpámos por volta das onze, ventos de SW de 24 nós de rajada. O objetivo era acostarmos na Ilha de Porquerolles, passando pela ilha de Levante. 
Logo à saída do golfo,  junto a baixios rochosos, eis que do fundo surge um enorme golfinho, veloz, desliza junto ás amurras de estibordo e roça a quilha, desaparece mergulhando. Era mesmo grande este animal de ton cinza azulado...
Subimos velas, o vento crescia, deslizavamos a 14 nós, acompanhados por um 50 pés que progride veloz, depressa se destaca. Ao longe, surgem as ilhas mas antes passámos junto à casa de Karajan, que tinha um belo veleiro que costumava fundear na baía, passámos junto à casa de Brigitte, e Vincent e  Pierre iam falando dos famosos que tinham umas casinhas por aquelas encostas, o dono dos Harolds que namorava a Diana quando do fatídico acidente, Carla Bruni, um dos alemães fundadores da Opel, e outras inúmeras casas que descem suavemente as encostas verdes, em cascata,  até ao mar.
Apartir de certa altura, a Este do golfo de St tropez, a costa mediterrânica revela-se  pouco povoada, virgem, agreste. Áreas protegidas, dizem-me.
Fui ao leme. O vento continuava em crescendo, até 22 nós, faziamos 7/8 nós, subindo e descendo a vaga, em bolina aberta. As vagas aumentavam, o céu escurecia e as águas tornavam-se escuras... Virámos de bordo, já perto da ilha de Levante e rumamos à enseada de Gau, iriamos pernoitar ali. Fundeámos.
Jean Pierre está mal, treme, e vai-se deitar, não janta. 
( decidi entrevistar Vincent, o proprietário do "Macien". Conversa gravada)










dia 19, Domingo

Anse du Gau- Ilha de Porquerolles

Acordei, e a calma transparência da água convidava ao mergulho. A água estava fria, como na nossa costa atlântica no verão, o tempo frescote...mas mergulhei, e nadei um pouco. O fundo arenoso, limpo, seis metros de profundidade. 
Zarpámos por volta das dez e meia, em direção a Toulon, vento pela proa, crescendo, crescendo. O céu escurecia e a ondulação incerta, alternando a vaga conforme nos protegíamos, ou não, do mar aberto, resultado da presença de ilhas ao longe. Um catamarã surge nas alhetas de BB em pôpa, planando, e "corta-nos" o rumo, passa não muito longe, pela primeira e única vez ouvimos Vincent praguejar e acenar vigorosamente para os tripulantes do Kata... 

                   
Velejávamos em piloto automático, todos no convés, absorvendo a experiência, a mais rija desde que iniciámos a viagem, vela grande risada, estai diminuido. O barco portava-se lindamente mas não tardou que tomasse o leme por algumas milhas, após sugestão de Vincent. Que gozo!  Dadas as condições, e alguns (poucos) saltos de vento, por vezes arribava e adornava  por vezes entrava demasiado na orça, mas sempre em absoluta concentração, algumas vagas mais afoitas entravam convés adentro... a vida começa aos 20 nós, e estávamos bem acima... progrediamos a sete/oito, por vezes menos, por vezes mais, subindo e descendo nas colinas escuras das águas de ... Porquerolles à vista! Chegámos a porquerolles com vento de 32 nós e atracar na marina, bem dimensionada, com espaço, não foi nada fácil. A perícia de Vincent veio ao de cima, a experiência de Carlos providencial, eu andava aos "papeis", Pierre, aguardava, e só conseguimos atracar o Macien à terceira tentativa, entre algumas manobras arrepiantes, quase perdi o croque, que ficou pendurado na borda de um 5o e tal pés, recuperado por uma senhora marinheira que observava, pronta para qualquer circunstância, e sempre seguidos pelo guarda do porto que se deslocava, ora para sotavento, ora para barlavento... 
Atracámos.


Porquerolles , uma ilha com vestígios de ocupação préhistórica, ocupada por monges, foi comprada em 1901 por um senhor francês que fez fortuna no México, e ali desenvolveu um projeto agrícola já com preocupações de sustentabilidade e harmonia com a natureza, ao mesmo tempo que a sua mulher se dedicava ao desenvolvimento e projeção turística da ilha, com sucesso...
Neste porto de abrigo encontram-se algumas pérolas do iatismo clássico, outros mais modernos, veleiros de viagens ao Ártico, às ilhas do Pacífico, com lugar para um porto de pesca tradicional, um conjunto de infraestruturas bem articuladas, cuidadas mas sem a voracidade do moderninho ou da "mobilidade" excessiva,  uma pequena povoação/colónia de férias de funcionários do Estado Francês mas também um hotel, pousada de juventude, bares, algumas casinhas de férias, bem arrumadinhas entre os pinheiros que dominam a ilha, onde não circulam automóveis, apenas veículos de bombeiros, da recolha de lixo, etc.  Muitas bicicletas e trilhos para percorrer, mas também areas interditas a turistas. Não tivemos oportunidade nem tempo de percorrer a ilha, que é grandita...
Jean Pierre está melhor, mas parte amanhã, de barco para Toulon, e daí para casa. nós também partimos amanhã , para Cannes.

















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