A olaria e os cacos.

Não é um restaurante, não é uma galeria, muito menos uma loja de venda de loiças, mas é ou era um espaço onde acorriam gentes diversas, curiosas da arte da cerâmica protagonizada pela Georgina, mas onde pontuava também a Kristina, a Flor e talvez outras mãos sensíveis e criativas...
Não era um espaço aberto, no sentido da libertinagem ideológica tão própria dos tempos pós revolucionários ou pós-modernos, nem tão pouco um museu do barro ou da arqueologia industrial dos séculos passados antes de 20, e estava longe de ser uma agremiação cultural elegendo o design como ferramenta de inovação e sustentabilidade.
Era apenas uma oficina/atelier, amplo espaço onde o frio de inverno infernizava as artistas, por oposição ao fogo de verão que nunca torrava os amendoins sobre as telhas do telhado à vista. Ali  se idealizavam e fabricavam peças de cerâmica, phalos/pharóis de enorme potência simbólica, topografias azulejares e serras de caldeirão e candeiros em riste. Meteoritos perdidos, objetos em órbita numa profusão de formas e referências, africanas talvez.
A Olaria o Caco , por vezes , era apropriada, melhor,  invadida, por uns tipos selecionados a preceito, (não fora o barro estalar, o forno esmorecer, ou até as labaredas o fogo entrarem em acelerado fogacho), para umas reuniões intercalares, serviços propedêuticos, Ordens de S. Pedro e S. Paulo, pescadores e literatos, em tons e reuniões gastronómicas entre os vinhos e os fumos, musicas e danças. 
Não, não era, mas poderia ser, tudo isto e mais ainda.
Agora não mais será, mas sempre poderemos dizer do que de melhor ali ocorria.
No meu caso, o meu ponto e a minha vista dizem que estamos na presença inquestionável, verificável, de uma reminiscência dos tempos da Mesopotâmia, quando os tijolos eram cozidos em fornos idênticos àquele que ali perdura, uma espécie de cripta das labaredas, indústria primordial da materialidade construtiva, origem das primeiras cidades entre o Tigre e o Eufrates, antes dos templos, palácios e jardins suspensos, primeiro o tijolo e as aldeias imensas, depois os mármores. 
O sabor a terracota que no vinho se pode adivinhar se o vinho provier das grandes talhas e tiver sido transportado a preceito no calor do inverno, ali também se pode sentir, entre o barro das paredes e o elevar da chaminé, em discreta ascensão aos céus, adoptando uma forma prismática, primordial, como que se preparando para o encontro. Sacralização do barro, ao jeito de Souto Moura, na Casa das Histórias, edificando chaminés de betão cristalizado de vermelho, na mesma aspiração a qualquer coisa de divino, lembrando a materia de Peter Zumthor, uma arquitetura sem tempo preciso, em busca das certas gentes, utentes de hoje e de amanhã, sendo que nestes últimos reside a esperança de melhor uso. Esperamos o milagre através da espiritualidade da terra e do barro ali inscritos e, tal como nos barros da escrita cuneiforme, necessitamos de o saber ler e em projetando, moldar novas funcionalidades, outras utilidades.

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foto da performance de Denis Begasse, que ocorreu na última festa da Olaria

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