Este episódio reflecte a capacidade inesgotável da realidade para inventar o fantástico, apesar da racionalidade de meios e de métodos, da previsibilidade de quase tudo e de todos, das máquinas cada vez mais deslumbrantes que inventamos.
Numa dialéctica calesdoscópica, muitas histórias marítimas começam com um gesto primordial, que, no mar adquire uma dimensão determinante : a comunicação.
Bandeiras, códigos, luzes, sons, rádios,satélites , numa evolução rumo a uma acção eficaz, eis que somos capazes . Mas no entanto…
Das comunicações marítimas sabemos pouco, ficam entre os comunicantes, como vasos guardados num arquivo, mas do mar emanam histórias, como maresia fecundante, que no processo entrópico da gestação ou se perdem para sempre ou se materializam em epopeias, celebradas nas culturas que as recebem como base, fuste, capitel da civilização. A teoria de Darwin poderia aqui também ser referida pois as histórias marítimas, passado o crivo da existência selectiva, ora cintilam na escura lâmina do tempo em celebrações literárias, pictóricas, cinematográficas, ora desaparecem diluídas na imensa matéria oceânica do esquecimento. E o que dizer dos episódios? Os episódios são matéria de condensação necessária à aglutinação das histórias, são as gotículas fecundantes das epopeias marítimas...
Um japonês e um polaco, sobre um icebergue, discutindo sobre frutos tropicais, parece-me um bom começo para uma história... de Hugo Pratt , agora que celebramos o regresso de Corto Maltese, Por exemplo:
Ao largo, apenas a uma distância considerada segura, Tropical I, o navio, aguarda instruções. As baleeiras permanecem desaparecidas na bruma gelada. Corto, enfiado no seu longo casaco , procura acender o cachimbo.
Entretanto;
“Ancorado numa ilha rochosa, a umas tantas milhas do Ártico, aquele navio comunicou num rádio roufenho, em turco, para a ilha mais próxima, onde gente e focas só se faziam entender em norueguês, a pedir um mestre de caldeiras.
Dois dias depois, uma baleeira russa deixava no rochedo um homem. Desembarcado sob grandes riscos, tratava-se de um japonês, que apenas uma semana depois conseguiu explicar que era jardineiro. No dia seguinte conseguiu dizer que era especialista em frutas tropicais, e finalmente, dois dias depois precisava: abacaxis.
O rádio roufenho levou protestos e trouxe desculpas.
Daí a dias, nova baleeira, desta vez chilena, e novo homem. Um polaco. Quando a tripulação à beira da amotinação o ameaçou que lhe arrancava a língua, para a salgar como a dos bacalhaus, esta soltou-se-lhe, e em aramaico, conseguiu explicar; Era especialista em mangas.”
Dedicado à tripulação do Tropical I, com quem tenho sofrido dos momentos mais deliciosos da minha vida .
Artur Manuel Pires , no último dia do Verão de 2015, pouco depois de assistir a uma explicação sobre comunicações no mar.
Numa dialéctica calesdoscópica, muitas histórias marítimas começam com um gesto primordial, que, no mar adquire uma dimensão determinante : a comunicação.
Bandeiras, códigos, luzes, sons, rádios,satélites , numa evolução rumo a uma acção eficaz, eis que somos capazes . Mas no entanto…
Das comunicações marítimas sabemos pouco, ficam entre os comunicantes, como vasos guardados num arquivo, mas do mar emanam histórias, como maresia fecundante, que no processo entrópico da gestação ou se perdem para sempre ou se materializam em epopeias, celebradas nas culturas que as recebem como base, fuste, capitel da civilização. A teoria de Darwin poderia aqui também ser referida pois as histórias marítimas, passado o crivo da existência selectiva, ora cintilam na escura lâmina do tempo em celebrações literárias, pictóricas, cinematográficas, ora desaparecem diluídas na imensa matéria oceânica do esquecimento. E o que dizer dos episódios? Os episódios são matéria de condensação necessária à aglutinação das histórias, são as gotículas fecundantes das epopeias marítimas...
Um japonês e um polaco, sobre um icebergue, discutindo sobre frutos tropicais, parece-me um bom começo para uma história... de Hugo Pratt , agora que celebramos o regresso de Corto Maltese, Por exemplo:
Ao largo, apenas a uma distância considerada segura, Tropical I, o navio, aguarda instruções. As baleeiras permanecem desaparecidas na bruma gelada. Corto, enfiado no seu longo casaco , procura acender o cachimbo.
Entretanto;
“Ancorado numa ilha rochosa, a umas tantas milhas do Ártico, aquele navio comunicou num rádio roufenho, em turco, para a ilha mais próxima, onde gente e focas só se faziam entender em norueguês, a pedir um mestre de caldeiras.
Dois dias depois, uma baleeira russa deixava no rochedo um homem. Desembarcado sob grandes riscos, tratava-se de um japonês, que apenas uma semana depois conseguiu explicar que era jardineiro. No dia seguinte conseguiu dizer que era especialista em frutas tropicais, e finalmente, dois dias depois precisava: abacaxis.
O rádio roufenho levou protestos e trouxe desculpas.
Daí a dias, nova baleeira, desta vez chilena, e novo homem. Um polaco. Quando a tripulação à beira da amotinação o ameaçou que lhe arrancava a língua, para a salgar como a dos bacalhaus, esta soltou-se-lhe, e em aramaico, conseguiu explicar; Era especialista em mangas.”
Dedicado à tripulação do Tropical I, com quem tenho sofrido dos momentos mais deliciosos da minha vida .
Artur Manuel Pires , no último dia do Verão de 2015, pouco depois de assistir a uma explicação sobre comunicações no mar.
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