De quando em vez apodera-se de
mim uma esperançosa ideia de Portugal. Vêm estes momentos ciclicamente, após
tempos de monocórdica política, como os
cinzentos desenvolvimentos cavaquistas, pontuados pela pedra escacilhada
do CCB que afinal merece aplauso mas não silencia os diversos buzinões do
cavaquismo, preparando a chegada de Guterres e uma esquerda rosa esperança por
fim afundada no célebre lamaçal que afugentou um primeiro ministro fragilizado,
mas que erigiu a expo 98 com o auxílio de Sampaio autarca. Insuficiente.
Chegou posteriormente outra
esperançosa ideia, quando uma renovação política se erigiu sob a batuta de
Durão Barroso que logo se perdeu nos meandos da guerra do golfo, numa cimeira
açoriana de má memória e consequente debandada para Bruxelas.
Insistiu essa ideia esperançosa
na chegada socrática, depressa varrida pelo frenesi financeiro e económico com
quem estabeleceu uma podridão ética na
indesejável partilha de poderes, com as magistraturas, os bancos e os grupos
económicos á mistura. E finalmente com a entrada em cena de um rapaz bem
intencionado, Passos Coelho, que dizia
iria repor a ética na política, os princípios republicanos sem demasiado estado
devolvendo o protagonismo do desenvolvimento á força empreendedora e
empresarial do país... Menos estado e melhor estado.
Estes os momentos em que me
deixei enredar na ideia esperançosa de um portugal futuro, onde os meus sonhos
de uma sociedade baseada na nossa extraordinária diversidade de interesses e
consequentemente numa criatividade e conjunto de ofertas só nossas e que
potenciadas, dariam novos produtos ao mundo. Eu e os barcos, a cultura náutica,
a nova economia do mar... Redes de espaços que celebram a nossa relação com a
água, mobilidade, pazer, liberdade, disciplina, competição, identidade,
verdade. Que lindo!
Eis que a tudo isto subjaz um
sistema de informação e de debate público cujos protagonistas, oriundos do
mesmo paradigma social económico e cultural, diverso mas sintonizado, formatam
movimentos de opinião que traduzem a vontade das elites e que mais não são do
que as falanges dos interesses estabelecidos, salvo alguns “freelancers” que se
revelam aqui e ali, mas que são sempre colocados no seu lugar sempre que
necessário.
Neste quadro tudo é previsível.
Mais deslize menos deslize, quer os comentários políticos, quer as previsões
económicas e financeiras são previsíveis. Os desvios e as diferentes realidades
que se revelam resultam apenas do olhar mais ou menos otimista com que se
interpretam os dados da realidade, dados estes que quando nos chegam já vêm
coloridos pelas estratégias e programas do desenvolvimento desejado, onde
pontua sempre a permanencia e luta pelos poderes.
Chegado aqui, como vejo a esperançosa
ideia do Portugal futuro?
A fenomenal sequência de
movimentos na política dos últimos quinze dias, no contexto que sabemos
determinante do estado da europa política, económica e financeira, culminou com
a surpreendente intervenção presidencial, Cavaco Silva, que aparece com um
lampejo de lucidez, dizendo claramente, é preciso repensar tudo isto, e só o
podemos fazer de dentro para fora. Pois revoluções agora não são desejáveis e
eleições serviriam apenas para afagar os egos daqueles que se têm colocado de
fora do sistema, que é o sítio onde é mais fácil estar, pois quem de bom senso
acredita no sistema?
Para tal contadiz tudo o que se
esperava, não diz o que queriamos ouvir e não faz o que era previsto. Esta a
grande contribuição de Cavaco Silva para o renascer da esperança no Portugal
futuro. Pois é precisamente este o aspeto mais frágil da intervenção de Cavaco
Silva mas que pela incrível força surreal da sua intervenção, leva os
protagonistas políticos , ainda tontos, e espartilhados pelas pressões
externas, a prosseguir este caminho.
Eu claro, sempre movido pela
esperançosa ideia do portugal futuro acho que agora sim, agora os líderes e as
elites, vamos ( não gosto do singular) conseguir colocar os interesses do povo,
aquele povo que é carrasco, mole, manso, inculto, alienado, pobre, manipulado, indisciplinado,
corrupto, invejoso, mas dedicado e trabalhador sempre que lhe apontam uma causa
demasiado grande para ser impossível. Já foi assim no passado, e portanto...
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