Lumina lucida lacul

Ainda não referi aqui a luz que fica nos azulejos ao sol poente, enfatizando as cores e os desenhos épicos das cenas bíblicas, transportadas para a atmosfera clássica de um império que não é possível precisar. Tecidos envolvem os corpos em vestes caídas, togas, longos lenços, representação e cenários subindo a fachada vertical de onde se determina a fé, transpondo o portal.
É com esta luz que fica nos amarelos dourados, nos laços azuís e  torrados, camuflando as legendas desta imensa banda desenhada que se lê com a pequenez da infância incédula, difícil exercício por entre os ofuscantes raios lumínicos, que se partilham momentos pouco prováveis, encontros inesperados de visitantes que nos chegam de... Budapeste!
Só me recordo do nome da rapariga, jovem estudante de marketing e que tal como tantos outros, percorreu tantos e tantos kilómetros até aqui, só porque tinha visto estes azulejos desta igreja numa imagem, motivo de tal peregrinação. Ou então era o rapaz, rapagão local, famílias "do canas" ou outra denominação muito mais precisa do que os nomes, pois estes encerram sempre o artificialismo do ritual baptismo. Na sua ingénua insegurança, onde moram até as incertezas das pedras móveis, percorriam de mãos dadas as alamedas de tílias sem se preocuparem com a queda das folhas. Sobre estas, a mesma luz raspava vermelhos de castanhas, violetas pálidas, verdejantes amarelos, sublinhando a agonia clorofílica do outono. Neste contexto, também cabem os barcos de madeira que aguardam a sua oportunidade na luz lacustre, pois o timbre das madeiras cansadas e rugosas, aguardando o brilho lacado do verniz, refletem, também eles, histórias que se erguem pelos mastros até ás nuvens.
Chamava-se Roxsandra, a rapariga, e visitou a Igreja de sta Maria de Válega, pois gostava de azulejos, e o cais do Puxadouro pois gostava de barcos.

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