OS PORTOS LIVRES À DERIVA

Saramago imaginou a península Ibérica em deriva autónoma pelos oceanos, metáfora das descobertas de quatrocentos, auto-proclamação de uma unidade ibérica muito para além da inevitável coexistência a dois, inscritos na forma quase regular do acidente geográfico onde cresceram.
Uma jangada de pedra, cuja escala fenomenal nos coloca perante algo insólito e incontornável, muito à maneira dos filmes de Hitchcok, mas nos retém subjugados à velocidade de cruzeiro de uma jangada, ficção literária angustiante e pois de futuro muito incerto.
Portanto, onde mais me reconheço é na invenção de Bartolomeu de Gusmão, a famosa passarola, que ocupa na imaginação de muitos de nós, desde o tempo dos primeiros estudos de História, um lugar secreto e recorrente, uma fuga para a dimensão ao alto, uma provocação "futurante".
Provocação continuamente reforçada, quase cirurgicamente, com o "Lusitânea" de Gago Coutinho e Sacadura, o famoso Sacadura Cabral em voo hidrofugante sobre o Atlântico Sul...

E claro a armada do Gama em busca do Ìndico, esse território líquido de tempêros luminosos, odores a Calecute, sonoridades da Ìndia, campanários silenciosos de Goa, a caminho do Japão. Dlão!

E foi assim que vi ( claramente visto como diria o poeta...) a passarola de Bartolomeu salvar D. Fuas Roupinho do abismo, o hidrovião de Gago e Sacadura, mestres na navegação, orientando a armada do Gama que andava perdida nas neblinas do Ìndico, rumo a Zanzibar...

Judite de Sousa entrevistando mr. Magoo, o inigualável Magoo...

Eis a prova de que somos capazes de tudo !

E agora que estamos ( como sempre estivemos ) num daqueles momentos da história onde só se ouvem ecos do idoso do Restelo, e as naus se afundam antes do Bugio, não temos dinheiro nem para tocar o sino, continuamos enclausurados em teias de corrupção e frenéticas ideias de justiça pelos jornais adentro.
É difícil falar de coisas boas, admiráveis circunstâncias...

Ainda, e como se não bastasse, tinham que ser os ingleses, sempre eles, a demonstrar que afinal a passarola não voa, e que até terá ardido, queimando os cortinados do palácio, e para cúmulo, o padre jesuita inventor acabou perseguido e morto em Espanha, quando tentava a viagem para lá dos Pirinéus.

Erro fatal o do padre, deveria ter tentado o Atlântico, evitando os ingleses, claro.

desenho : andré ventura
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Comentários

Anónimo disse…
Pois meu caro padrinho... não sei se já sabes, mas eu vou mesmo arriscar com os ingleses... Só espero que nao me queimem as cortinas! (Se o fizessem, também não teria nada a esconder...)
Falo de um estágio num laboratório em Durham. Depois terei a oportunidade de te contar mais pormenores.
Gostei do desenho do André e do texto do pai. Da-lhes os meus parabéns!(=
Agora que também entrei neste mundo dos blogs, espero que passes pelo meu e que gostes do que por lá vires.
Margarida Ventura