Eu gosto de aventuras. Talvez até em demasia, eu gosto de aventuras. E das aventuras que até agora vivi, perduram mais frequentemente aquelas que verdadeiramente o não foram, porque, por inépcia ou cobardia terminaram sem o doce sabor de fim de história que uma boa aventura requer. A vida também será, neste contexto, o conjunto de aventuras por terminar que todos nós transportamos na nossa existência e que mesmo distantes e irrepetíveis procuramos guardar numa gaveta, com a esperança de que um dia se possam terminar. Imagino assim uma parede imensa formada por várias gavetas onde guardamos as nossas aventuras por concluir, gavetas de diferentes tamanhos, executadas em diversas madeiras , cujos tons e odores condizem perfeitamente com o tipo de aventura vivido… è verdade que não devemos perder muito tempo com o passado, mas, porque persistimos em guardar fotografias em álbum?
Há dias dei comigo a verificar umas quantas das minhas gavetas de aventuras e descobri coisa curiosa… um denominador comum. Faltava-lhes heroicidade, qualidade que transforma a aventura em epopeia, libertando as aventuras da clausura das gavetas para as conversas entre amigos, ou, nos casos mais extraordinários, para o mundo global das incontáveis histórias que se diluem no ar que respiramos.
A ausência de heroicidade é também um problema da nossa sociedade. Perante a possibilidade da luta, do confronto, do risco, encolhemos os ombros, embainhamos a espada. Onde estão os heróis nas nossas aventuras de hoje? Procurei, procurei e de entre os recentes feitos dos lusitanos, de todos os possíveis candidatos , eis que, de súbito, uma pedra vinda de longe agita a falsa quietude das águas do lago…
Joe Berardo aparece assim, qual herói aventureiro chegado de Àfrica, Ali-Bábá das minas de ouro, príncipe das pinturas , senhor da Bacalhôa, emigrante - segurança - banqueiro, isto e muito mais, como raposa entrando na aventura da alta finança portuguesa exigindo respeito e decência , que se cumprissem regras mínimas, demonstrando com a simplicidade exótica dos seus argumentos a evidência que todos ignorávamos, ou que ignoravam por nós.
Joe Berardo, herói?
Sim, eu prefiro considerá-lo um herói, neste mundo de aventuras das finanças privadas em offshore, cujos personagem se enredam em trânsito para as ilhas Caimão, “Tintin no Congo” ou melhor ainda, Corto Maltese a caminho de Samarcanda.
Quem é Joe? Este homem vestido de negro, não deixa de me fazer lembrar, por breves momentos , um outro “Joe”, ( Brad Pitt em Black Joe), que para além da questão da identidade “matou” Jardim Gonçalves, parece possuir um poder difícil de igualar pois tem tudo em demasia, desde o sotaque que lhe confere autenticidade, até ao mau domínio da língua, aspectos que o aproximam da grande maioria dos portugueses.
A mais recente promoção de Portugal lá fora, apostando numa mão cheia de portugueses cujos feitos os elevaram à celebridade e na posição geográfica facilmente identificável no globo apesar da pequenês territotial do país, (The West side of Europe) diz claramente que Portugal é um país onde podem acontecer aventuras. O Oeste, sobretudo para os americanos, tem uma carga simbólica imensa, quase sempre um Oeste aberto, selvagem e romântico que contribui ainda hoje para moldar a própria identidade da América. Portanto, a ideia de Portugal como o lado Oeste da Europa é também para os Europeus uma boa referência e agrega a Portugal uma certa ideia de dinamismo e liberdade.
E os heróis?
È difícil de encontrar neste momento alguém que possa ocupar o meu português eleito para a campanha promocional nesta terra de grandes aventuras que é Portugal, o lado Oeste da Europa. Ao lado de Siza, de Mariza, de Mourinho, teria de colocar, em transição suave, José Berardo .
Portanto, mesmo sabendo que Joe não é nenhum santo nem ingénuo, considero Berardo um herói, pois bramindo a espada, sacudiu o pó de umas quantas gavetas. Final da história? Não, gostaria mesmo era de ter escrito sobre Moisés Lamarão …
Publicado no jornal " Praça Pública " em 29 de Dezembro de 2007
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