“MAKE IT STUPID AND SIMPLE"

Publicado no "Praça Pública" de 17 de Outubro

" É a cultura, estúpido !"


Aqui há dias um alto responsável pelo turismo regional dizia-me que o “turismo não é uma actividade cultural”, referindo-se á procura turística em geral e ao distrito de Aveiro em particular.
Fiquei sem saber o que dizer, de tal modo aquela afirmação me surpreendeu. De facto, se observarmos o modo como as “grandes massas” fazem turismo, os autocarros “despejando” gente na Ribeira, na marginal de Gaia, junto ás caves, as esplanadas e os conteúdos cada vez mais desenhados para “inglês ver” e a ausência permanente do arroz doce nas ementas dos restaurantes, percebe-se aquela frase, percebe-se cada vez mais como os circuitos cómodos e estereotipados dos guias turísticos desenham as culturas locais, fornecendo ao turista uma realidade cenográfica, muito próxima de uma representação operática, mas sem o brilho da originalidade, da diferença, na construção de conteúdos.
Mudam os cenários, mudam as cidades, mudam os países, mas o discurso é sempre o mesmo, “ aqui nasceu o grande escritor, ali temos a grande catedral, mais além aquele edifício marcante do grande arquitecto fulano de tal e depois uma refeição típica, do género sardinhas assadas em cópias de porcelana da Vista Alegre… e o famoso Pão de Ló…

Percebe-se portanto o dilema de quem desenha os cenários para esta “procura turística”, num território de poucas óperas grandiosas mas imensas cenas dispersas, variando de escalas até à minúscula, pouco acessível, manta de trapos de Pardilhó.
Perdidas nos meandros de ruelas periféricas num território polvilhado da mais exuberante e desordenada paisagem, é o mundo das diversidades etno-geográficas cada vez mais deslocadas do seu reduto original e carentes de renovação e modernidade, competindo pela propriedade e originalidade do verdadeiro. “ Leitão da Bairrada? Sim concerteza, este é o verdadeiro leitão da Bairrada!”

Este último verão durante as ventosas férias que nos impediram de usufruir das praias, optámos por nos passearmos pela Serra de Sintra , Colares, Cascais e Oeiras. Reencontrámos o Portugal romântico e saloio, os palácios, as quintas e jardins, nomeadamente a fantástica Quinta da Regaleira e o seu excelente percurso museográfico, mas também o programa expositivo e cultural que em Cascais se organizou em torno dos campeonatos mundiais de vela que ali ocorreram durante o Verão.
Exposições, no centro Cultural da cidade sobre a história do desporto da vela em Cascais, em cuja baía competiram os iates do Rei D. Carlos e da aristocracia dominante nos finais do séc. XIX e primórdios do séc. XX, e onde se criaram campeões olímpicos neste desporto, e no Museu do Mar, com uma surpreendente e emocionante confirmação das reais capacidades artísticas deste nosso Rei D. Carlos, onde aferimos da escala da sua verdadeira e mal estudada obsessão : o mar e os barcos, todos os barcos, mas também as suas pesquisas e explorações oceânicas que marcaram o surgimento da oceanografia em Portugal.
O Romantismo tinha destas coisas e destes homens, como Alfredo Keil, de quem também visitámos uma exposição em Colares, pintor, fotógrafo, compositor, e colecionador, resultado de uma efervescente, complexa e extremada filosofia de vida que tinha na ópera o espectáculo por excelência, a obra total , onde se entrosava a pintura a arquitectura a música a representação, a literatura, a criação estilística , tudo num espectáculo cujas produções levaram inclusivamente à ruína o autor de “A portuguesa”. Não se pode ter tudo?
Visitámos ainda um farol, um recém inaugurado museu dos faróis, transformado em espaço interpretativo e museológico , uma bela recuperação do sítio de um antigo farol junto á cidadela, e mais uma vez a eficácia e a clareza do discurso museográfico numa intervenção onde está muito bem o trabalho dos arquitectos e designers, e cuja temática nos remete novamente para o mar , sublinhando a atmosfera global das viagens marítimas, da precisão matemática da navegação, da geometria , altitudes, longitudes, em ciclos que orientam e conferem segurança ao navio, ao viajante, e à vida , apesar da aparente intermitência da luz.
Turismo pois, “ não é cultura” dizia o meu amigo, numa região sem grandes operas para oferecer mas com todos os discursos e composições por fazer, nomeadamente aqueles pequenos trechos da microhistória que estamos todos os dias a construir e a desvendar nas já referidas ruelas periféricas do território, polvilhado da mais aberrante e desordenada ausência de debate intelectual.
Refiro então, com precisão optimista e necessária, o farol orientador dos debates sobre a importância e o papel da cultura no espaço da União Europeia, assunto que está a ser tratado no âmbito da presidência portuguesa, promovidos pela Dra. Isabel Pires de Lima, Ministra que sabe como poucos o que será ser Romântico e que um dia convidei a visitar Ovar e as suas fontes. Que seja então a cultura a promover o espectáculo do desenvolvimento!…

Comentários