“ La dolce vita , la belle époque “.
Após a inauguração do centro comercial “Dolce Vita” Ovar não mais será a mesma. Se exceptuarmos a inauguração da Biblioteca Municipal, na história do concelho será necessário recuar algumas décadas até encontrarmos um motivo tão fortemente promotor de transformação. Desde logo transformações bem visíveis, de ordem urbanística, de acessibilidades e fluidez de trânsito, “nó” e “charneira” entre o núcleo urbano antigo e a zona industrial, reforçando a vitalidade da Av. Sá Carneiro, agora uma via importantíssima para a cidade necessitando urgentemente de uma estratégia de desenho e ordenamento, divergindo dos modelos neo-liberais e neo-modernos agora tão em voga, em busca de uma paisagem onde seja possível encontrar rãs e pirilampos, já que para o “gato-toirão” é tarde demais…
Mas, recuando no tempo, temos exemplos de outras grandes transformações na vida da cidade e do Concelho. Poderia referir a chegada do comboio, mas prefiro lembrar o surto desenvolvimentista dos anos 50/60, quando se consolidaram novas empresas industriais, equipamentos, serviços e se investiu no turismo, resultando daqui uma forte transformação social e económica. Como exemplos refiro o declínio de algumas actividades que durante muitos e longos anos sustentaram a economia de Ovar, a agricultura, o fim da grande arte xávega, a diluição gradual dos moliceiros e das actividade suportadas pela Ria, o esbatimento ou mesmo o fim de tradições decorrentes dos ciclos da natureza e do trabalho agrícola.
Ainda e para acentuar um novo ciclo, surge também o “ Carnaval organizado “, adoptando modelo exterior lembrando vagamente as marchas populares lisboetas, os bairros com odores da maresia contagiante do Rio, Carnaval que se vai transformando, pelo carácter crítico libertário e criativo num fenómeno colectivo, apoiado decisivamente por algumas elites locais, criadoras de novos “modus vivendi”, com o Furadouro e a Ria em cenários de fundo…
Nesta época tivemos a sorte da inspiração de Paulo Rocha que, ao perceber estas transformações que ocorriam também pela Europa, criou o filme “ Mudar de Vida” filmando pela Ria, por Ovar, pelo Furadouro periferias humanas e urbanas, oferecendo-nos para sempre uma obra notável, uma espécie de bola de cristal para onde poderemos saltar percorrendo o imaginário da vida e da “cidade” em transformação .
Mas, Ovar crescendo, sempre soube manter a sua identidade e legibilidade como facto urbano. O circuito do Carnaval ocorria exactamente sobre o circuito das procissões da Quaresma e o núcleo urbano, palco de eventos colectivos, por onde prosperava o comércio, reforçava a sua especificidade congregadora com os cafés, as barbearias e as conversas pelos passeios. Deste modo, ainda respirando odores do romantismo Dinisiano, (as fontes meu Deus ai as fontes) Ovar impunha-se pelo seu forte carácter decorrente da peculiar morfologia urbana e da diversidade social, enveredando por uma “modernidade específica” criando espaço para novas tradições e novos costumes, as camionetas da Rodoviária até ao Furadouro nas inevitáveis férias, as compras na “catedral do consumo” entre o Jardim dos Campos e a Capela de S. Pedro, mais tarde na Ferreira de Castro esporadicamente transformada em sambódromo onde nos reuníamos quase em família, festejando.
Já não sei bem onde queria chegar com este retrato, ou pintura, ou história aos quadradinhos, mas era do “Dolce Vita” que falava, do modelo inovador da sua implementação uma parceria público-privada, desde cedo adivinhada como a única solução viável para o finalmente Pavilhão, um conjunto de equipamentos que apela sobretudo ao consumo, que promove apenas a circulação e concentração de dinheiro, necessitando por isso de uma compensação numa outra área económica, uma outra intervenção estratégica de fundo que rejeite o modelo da ocupação massiva do território, que trate e respeite a paisagem, que promova o equilíbrio e a transformação no sentido da nossa identidade assente na terra na água e no vento, territórios de desenvolvimento de estruturas turísticas e de criação de riqueza sustentada. Esta oportunidade pode até surgir se aos Ovarenses for explicada a importância do projecto da rede museológica do concelho, recentemente iniciada, e de como o discurso museográfico pode e deve ser parceiro estratégico no processo de planeamento urbanístico, de ordenamento do território, de criação de estratégias educativas.
Quero ainda ser optimista nem que seja á força, e, sublinhando as palavras dos nossos líderes políticos durante as comemorações de Abril, lembrar a necessidade pragmática da utopia, para que a revolução continue o processo em curso, pois já é tempo. Se é possível rasgar mais uma vez o ventre deste território português para o TGV, se é possível transformar riachos ribeiros e zonas sedimentares pantanosas num aeroporto, terá que ser possível implementar meia dúzia de zonas eco-museológicas num concelho que apresenta uma diversidade cultural, associativa e desportiva fora do comum, resultado de dinâmicas de grupo fortemente identitárias. E com isto aumentar a possibilidade de quem nos visita, seja para ver um jogo de basket, ou para fazer corridas em patins, em barcos á vela ou a remos, interagir por cá um pouco mais, de preferência para sempre, e não apenas num gesto de comprar mais qualquer coisinha.
H. Ventura
Após a inauguração do centro comercial “Dolce Vita” Ovar não mais será a mesma. Se exceptuarmos a inauguração da Biblioteca Municipal, na história do concelho será necessário recuar algumas décadas até encontrarmos um motivo tão fortemente promotor de transformação. Desde logo transformações bem visíveis, de ordem urbanística, de acessibilidades e fluidez de trânsito, “nó” e “charneira” entre o núcleo urbano antigo e a zona industrial, reforçando a vitalidade da Av. Sá Carneiro, agora uma via importantíssima para a cidade necessitando urgentemente de uma estratégia de desenho e ordenamento, divergindo dos modelos neo-liberais e neo-modernos agora tão em voga, em busca de uma paisagem onde seja possível encontrar rãs e pirilampos, já que para o “gato-toirão” é tarde demais…
Mas, recuando no tempo, temos exemplos de outras grandes transformações na vida da cidade e do Concelho. Poderia referir a chegada do comboio, mas prefiro lembrar o surto desenvolvimentista dos anos 50/60, quando se consolidaram novas empresas industriais, equipamentos, serviços e se investiu no turismo, resultando daqui uma forte transformação social e económica. Como exemplos refiro o declínio de algumas actividades que durante muitos e longos anos sustentaram a economia de Ovar, a agricultura, o fim da grande arte xávega, a diluição gradual dos moliceiros e das actividade suportadas pela Ria, o esbatimento ou mesmo o fim de tradições decorrentes dos ciclos da natureza e do trabalho agrícola.
Ainda e para acentuar um novo ciclo, surge também o “ Carnaval organizado “, adoptando modelo exterior lembrando vagamente as marchas populares lisboetas, os bairros com odores da maresia contagiante do Rio, Carnaval que se vai transformando, pelo carácter crítico libertário e criativo num fenómeno colectivo, apoiado decisivamente por algumas elites locais, criadoras de novos “modus vivendi”, com o Furadouro e a Ria em cenários de fundo…
Nesta época tivemos a sorte da inspiração de Paulo Rocha que, ao perceber estas transformações que ocorriam também pela Europa, criou o filme “ Mudar de Vida” filmando pela Ria, por Ovar, pelo Furadouro periferias humanas e urbanas, oferecendo-nos para sempre uma obra notável, uma espécie de bola de cristal para onde poderemos saltar percorrendo o imaginário da vida e da “cidade” em transformação .
Mas, Ovar crescendo, sempre soube manter a sua identidade e legibilidade como facto urbano. O circuito do Carnaval ocorria exactamente sobre o circuito das procissões da Quaresma e o núcleo urbano, palco de eventos colectivos, por onde prosperava o comércio, reforçava a sua especificidade congregadora com os cafés, as barbearias e as conversas pelos passeios. Deste modo, ainda respirando odores do romantismo Dinisiano, (as fontes meu Deus ai as fontes) Ovar impunha-se pelo seu forte carácter decorrente da peculiar morfologia urbana e da diversidade social, enveredando por uma “modernidade específica” criando espaço para novas tradições e novos costumes, as camionetas da Rodoviária até ao Furadouro nas inevitáveis férias, as compras na “catedral do consumo” entre o Jardim dos Campos e a Capela de S. Pedro, mais tarde na Ferreira de Castro esporadicamente transformada em sambódromo onde nos reuníamos quase em família, festejando.
Já não sei bem onde queria chegar com este retrato, ou pintura, ou história aos quadradinhos, mas era do “Dolce Vita” que falava, do modelo inovador da sua implementação uma parceria público-privada, desde cedo adivinhada como a única solução viável para o finalmente Pavilhão, um conjunto de equipamentos que apela sobretudo ao consumo, que promove apenas a circulação e concentração de dinheiro, necessitando por isso de uma compensação numa outra área económica, uma outra intervenção estratégica de fundo que rejeite o modelo da ocupação massiva do território, que trate e respeite a paisagem, que promova o equilíbrio e a transformação no sentido da nossa identidade assente na terra na água e no vento, territórios de desenvolvimento de estruturas turísticas e de criação de riqueza sustentada. Esta oportunidade pode até surgir se aos Ovarenses for explicada a importância do projecto da rede museológica do concelho, recentemente iniciada, e de como o discurso museográfico pode e deve ser parceiro estratégico no processo de planeamento urbanístico, de ordenamento do território, de criação de estratégias educativas.
Quero ainda ser optimista nem que seja á força, e, sublinhando as palavras dos nossos líderes políticos durante as comemorações de Abril, lembrar a necessidade pragmática da utopia, para que a revolução continue o processo em curso, pois já é tempo. Se é possível rasgar mais uma vez o ventre deste território português para o TGV, se é possível transformar riachos ribeiros e zonas sedimentares pantanosas num aeroporto, terá que ser possível implementar meia dúzia de zonas eco-museológicas num concelho que apresenta uma diversidade cultural, associativa e desportiva fora do comum, resultado de dinâmicas de grupo fortemente identitárias. E com isto aumentar a possibilidade de quem nos visita, seja para ver um jogo de basket, ou para fazer corridas em patins, em barcos á vela ou a remos, interagir por cá um pouco mais, de preferência para sempre, e não apenas num gesto de comprar mais qualquer coisinha.
H. Ventura
Publicado no "Praça Pública" semanário de Ovar, em 8 de Maio de 2007