Nos pequenos recantos do Portugal em vias de extinção, encontramos por vezes realidades que ultrapassam de longe a melhor ficção.
Durante o último fim-de-semana andamos por serras algarvias, entre Silves e Almodôvar, fomos á feira de S. Marcos. Uma raridade. O aglomerado ocupa o topo de uma colina, e estende-se de norte a Sul. Tem Estação da C.P., um conjunto que se devia preservar, magistralmente implantado, topografia difícil mas sem dúvidas ou exitações, acesso rampeado, volumetrias e escala surpreendentes, óptima construção resistindo com nobreza ao tempo.
Contornando a colina, subindo e descendo, lá encontramos a Feira, nas trazeiras do cemitério, meia dúzia de tendas, hortícolas, tecidos e "lingerie", lanternas ferramentas e algumas alfaias, poucas.
Mas , surpresa das surpresas, uma feira de cavalos, controlada por ciganos, de várias origens. Não entendo muito de cavalos mas alguns eram mesmo lusitanos. Bem, talvez todos o fossem. No centro das atenções estava uma cigana de tez escura alta e elegante, com uma gravidez que se começava a notar sob uma camisola verde esmeralda justíssima e saia comprida de racha lateral... Os possível compradores fingiam que não viam e o ritual percebia-se na sua totalidade se atendermos ao pequeno homem sentado no chão com uma bengala que fazia uns gestos e logo provocava uma reacção da cigana que volteava e comentava mais uma vez... " - Os pretos é que são bons..." dizia ela, pois o único cavalo escuro ali era aquele e ela o não era menos...
Mas S. Marcos guardava ainda uma pequena pérola de transglobalização. Num edifício de gaveto em curva suave, fachada branca e simples, um piso, localizava-se um pequeno mundo. Ali encontramos um bar/tasca/mercearia/agência funerária, tudo em um, estrutura polivalente que se anunciava assim: (na fachada, da direita para a esquerda) - duas antenas parabólicas lado a lado, um reclamo em acrílico em forma de cruz a preto e branco, letreiro pintado sobre a porta estreita dizendo Snak/Bar, terminando a informação com um outro reclamo em acrílico, maior, de tons verde-branco que anunciava ( !!!) a venda de cogumelos, naturais e de diferentes espécies.
Por momentos tive a certeza que vi Brenda. Dalí saindo, lendo Proust, fumando um charro e convidando-me para um passeio a cavalo.
Lá dentro, sim porque entrámos para comprar cogumelos, ( culinária, entenda-se) , bem, logo á entrada quase em cima da porta, o Deco a vender gelados da "Nestlé" , e por cima do frigorífico, sobre uma prateleira, o Zé povinho perguntava-nos se queriamos fiado, e mesmo ao lado do Zé um letreiro que dizia " O fiado aqui, já morreu!".
Do fundo da sala, surgiu da penunbra um homem, cigarro no canto da boca, olhos que demonstravam um particular gosto pelo álcool, de profundo gosto pela barba por fazer. A senhora não estava, ela que seria, segundo a minha amiga Helena, a figura principal do filme.
Os cogumelos, sem regatear, custaram 15 euros o quilo. Mais globalização...
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