O PORTUGUÊS SUAVE GALOPANTE
Em jeito de nota prévia é preciso dizer que me custa muito escrever o que se segue. Por razões do facto em si, mas também por razões de um certo pragmatismo profissional. Ovar é pequeno e pequenas são muitas mentalidades que por aqui se pensam grandes. E as pessoas visadas, que nos interessam apenas e neste caso porque protagonizam responsabilidades públicas no exercício do poder político, da oposição ou da gestão da chamada coisa pública, merecem algum respeito. Por isso não devemos entender a crítica necessária e fundamental ao exercício democrático, como um ataque. Será sim em meu entender mais uma ajuda, porque não somos demais. Não é tradição na imprensa local de Ovar mais recente apontar-se o dedo seja a quem for protagonista de algum poder. Salvo talvez uma ou outra rara excepção. Convive-se mal com a crítica e quem critica por vezes esquece-se de separar as pessoas visadas dos cargos que ocupam . Mas como separar a vida de um presidente, de um vereador ou um de um chefe de divisão dele e do cargo que ocupa?
Mas vamos aos factos. Deparei recentemente na demolição de um conjunto de edifícios na Rua Alexandre Herculano, antiga casa de família prestigiada de Ovar. A família Sobreira. Esta casa e dependências, notável conjunto, desde a inserção no local ao detalhe construtivo, á qualidade e unicidade espacial , á originalidade tipológica e morfológica, representava um momento urbano de particular interesse e mais do que isso, estruturante de um espaço público que ia muito para além dos muros e das pedras e dos azulejos e da cerâmica ornamental. Tratava-se de um exemplar único, articulação de uma arquitectura erudita dos torna viagem e uma outra, local e regional, de cariz ruralizante. No meu entender representava muito mais para a cidade de Ovar do que o edifício do cinema, por exemplo, porque detinha uma particularidade difícil de dizer. Era muito mais belo.
Agora só nos resta olhar fotografias e exercitar a memória e talvez fazer mais um filme, sobre o que já não existe. Perdeu-se para sempre a possibilidade de visitar aquela casa pois se ao menos houvesse um registo do que se perdeu...
Como é possivel, hoje, com tantas consciências atentas ao património e á urgente necessidade de preservarmos a unidade e originalidade da nossa identidade colectiva, e mais ainda de preservarmos o valor da nossa arquitectura erudita, pública ou privada, como é possivel ainda acontecerem destas coisas em Ovar? Espero que não venham dizer os autores do projecto, os técnicos que o aprovaram e a câmara que o licenciou que o edifício ameaçava ruína, pois isso não é verdade. Bastará perguntar á máquina que derrubou aquelas paredes, e ás pessoas que observaram .
As razões que levam a este calamitoso resultado são razões de ordem económica, numa lógica de lucro fácil e imediato. São interesses do promotor, dos técnicos e da câmara que assim vê mais uns dinheiritos entrarem nos seus cofres minguantes. RAZÕES EVENTUALMENTE LEGÍTIMAS, mas insuficientes na avaliação de uma energia transformadora própria das cidades.
A necessidade de investimento privado no concelho reveste-se de crucial importância. É factor determinante e estratégico. A avaliação destes agentes e a criação de mecanismos que orientem este investimento são factores cruciais para o futuro deste concelho. Seria desejável que Ovar possuisse um conjunto de projectos estruturantes que articulassem uma forte componente privada e uma estratégia de planeamento territorial. Este aspecto a meu ver é o elemento chave da actual revisão do PDM. Quem é que poderá protagonizar a execução desta estratégia? Seguramente a Câmara não conseguiu ao longo destes anos, e apesar de indicadoreas que apontavam nesse sentido, elaborar e consubstânciar essa estratégia. E que falta ela faz.
Faltam novas frentes urbanas planeadas. O que está a Avenida sá Carneiro a fazer senão a esperar por essa estratégia?
E a nova Avenida para o Furadouro, dando um salto na definição da nova centralidade definida no velhinho PDM como ADPEU? Porque parou? O que aconteceu ao GTL? Que interesses iria beliscar a definição de um conjunto de medidas preventivas em sede da elaboração do Plano de Pormenor do Centro de Ovar, trabalho a ser elaborado e bem no extinto GTL?
Estas respostas têm perguntas que facilmente se percebem. Para terminar falarei das novas arquitecturas que se adivinham para estes espaços, erguidas com a energia das gruas em movimento. Teremos ali mais uma explosão de uma Portuguesite- Suave Galopante, estilo que procura conciliar o inconciliável, e que resulta num híbrido de pastiches linguísticos e volumétricos, negando a modernidade e celebrando o triunfo do neo-portugês suave, mencionado ainda há tempos por Manuel Graça Dias. Até na arquitectura vemos sinais de desesperança, meu caro Filipe.
Voltarei ao tema pois a conversa ainda vai no ADRO.
É tempo de falarmos de Natal.
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