A SUAVE REVOLUÇÃO DE CARLOS MENDONÇA

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O EVENTO

Na Biblioteca Municipal de Ovar, está a ter lugar uma exposição de desenho de Carlos Mendonça.
Este personagem, de Válega, curtido ao som do "engenho" e dos bois revolucionando em volta, alimentando por ali os milheirais próximos, movimentando-se entre a excepção do milho rei e a esmagadora maioria monocromática do cereal, curtia aspirações a Coimbra, onde militou até ao diploma de advogado, nos idos de 70.
Muito sem saber como, bebeu os eflúvios de uma academia vanguardista, os Maios de 68, onde os movimentos artísticos decerto o impressionaram, sobretudo na sua função socializante, transformadora, a arte finalmente integrada na revolução, e o artista como protagonista de mudança.
Com uma certa tendência para a ilustração de textos e de aulas á margem das sebentas e dos papeis de cafés tertuliantes, Carlos mendonça apercebe-se que das suas mãos brotam os "outros" textos necessários ao equilíbrio de uma existência demasiado previsível.
A pintura mas sobretudo o desenho, e agora mais do que nunca o desenho, revelam-se essênciais já não tanto como motor transformador da Sociedade, arma desigual entre tantas imagens e modelos assentes na virtualidade de um mundo cada vez mais desconstruído e vazio de sólidas referências ideológicas , mas na busca interior onde persiste sempre o rumo da revolução, alimentada por uma leitura de realidades incontornáveis e aparentemente sem nexo. Contra a perplexidade, a acção...

O TEMA.

A revolução interior de Carlos Mendonça assenta naquilo que verdadeiramente nos pertence. O corpo. Essa matéria, só nossa e de mais ninguem, mas que parece ter uma consciência própria, um percurso paralelo , que se altera e interage com aqueles outros corpos que nos rodeiam e onde a íntima proximidade faz despoletar um magnetismo invisível, campo de forças e emoções, em turbilhão de cheios e vazios, um envolvimento em espiral, disciplinado pela ordem cósmica das coisas. Por isso erudito.
O corpo a corpo de Carlos Mendonça, transporta-nos para esse universo de uma intimidade universal, território de permutas e outras lutas, e onde permanentemente nos movimentamos. O quotidiano. Por isso digo revolucionária esta exposição, pois o quotidiano íntimo andará por aí cada vez mais alienado e raramente o vivemos tão intensamente como o que agora se expõe.

A técnica
Desenho de grafite sobre papel. Borracha, miolo de pão, dedos e outros segredos. Com estes meios demonstra Carlos Mendonça o domínio da luz, aspecto que se evidencia, no meu entender, de entre os da forma ou linha . A luz, os contrastes, os cheios e vazios, os volumes, a materialidade ausente, não deixa de me lembrar a fotografia, Man Ray, os nús de Lazlo Moholy-Nagy, um certo cinema expressionista alemão dos anos 30. (E nós sabemos que a fotografia é também um dos seus "hobbies").
Fruto de muitas horas de luta, corpo a corpo, entre a negritude da grafite e a superficie lisa e branca do papel, surge a suave revolução de um homem que não nos deixa nunca indiferentes e iguais.
Por último áqueles que o rodeiam e que com ele vivem, lembro o seu lugar na revolução. Este lugar, mais difícil de dizer, matéria de uma esfera sensível, substância do amor, pelo que me vem á memória aquela história antiga, de um ovo pintado á mão, acabado de chegar da hungria...

H.

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