Construções na Areia

Não vou falar de grandes pirâmides, nem das esculturas dissolventes na preia-mar. Também não vou falar de grandes estaleiros nas praias, onde tradicionalmente se construiam as naus.
Irei falar de acampamentos, primeiros portos de navegantes, entre aguadas e reparações, locais de referência nocturnos, faróis de fogueiras improvisando o luar ausente. Sedimentação de ritos, pescarias e caçadas, talvez as ninfas.

Assim gostaria eu de começar as cidades á beira mar, como organismos complexos de vidas primárias, essência esquecida dos planos lisos e rectos do saber dominante.
A origem da vida como sabemos processou-se algures no caldo vivificante de um charco á beira mar, ainda os continentes eram unidos. Por isso me fascina aquela toalha fina de terra e de água ondulante, estonteante, azuleante, por vezes.

O limite incerto da terra-firme, e a atração pelas praias, agora que piratas e mouros já não andam na costa, perigos transfigurados em torres de lazer e de fascínio, pantânos em cidades verticais, países conquistados ao mar. Aeroportos, portos e demais sedimentações humanas.

Construções na areia, dizia eu.

Poderia também enveredar por uma teoria da implantação palafita, sobre estacas, finas, cidades em andas, onde a água parece sólido fluido, ambiguidade do mercúrio. Praças- palafitas, ruas-submersas, territórios permeáveis á evolução ecológica, dimensão geológica do sonho. Veneza.
Impérios de uma materialidade utópica, reis e rainhas czares e czarinas, marinheiros recrutados á força, domínio dos mares. Heritage, Hermitage.

O que eu gostaria era de ver o legislador legislar sobre o estirador.
E o planeador planar.
E o arquitecto trabalhar.

É das coisas simples que me emociono.
e das complexas que me apaixono.

(o rimanço por vezes é traiçoeiro).

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