O sr. Prudêncio o Marquês e outras histórias dos "verdes anos".


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O sr. Marquês era homem muito culto e bom. Chamavam-lhe "o Marquês Vermelho". Não porque se vestisse de vermelho, mas porque as suas observações francas e sinceras faziam ruborizar os medíocres, incultos, e mentecaptos. Gostava de bridge, de se levantar tarde, mas "quem não tem vícios não tem réstia de humanidade". Gostava de coisas muito mais importantes contudo. Música, pintura e ... conversa. E procurava construir um Tempo de harmonia e felicidade, com as suas terras o seu saber a sua arte, em redor dos amigos e do país. Eu apenas me recordo de umas entrevistas aqui e ali, de umas notícias soltas, o suficiente para nutrir pela personagem admiração e respeitoso carinho. Estou a falar de Fernando de Mascarenhas cujo brasão de família ostenta o vermelho. Era também conhecido por conversar com comunistas.

                                                      O campo na minha aldeia.                  2 e 3

O sr. Engenheiro explicava o campo como ninguém. Explicava as vacas como o Eugénio de Andrade explica as aves. Cultivava a cultura do campo com galochas, microfone e gabardine, por vezes chegava de helicóptero e assustava as ovelhas que não estavam preparadas para tanto. E os pastores e agricultores tinham muita dificuldade em o seguir. Era, como José Hermano Saraiva, um grande comunicador, mas o sr. Engenheiro pretendia o futuro enquanto o sr Hermano Saraiva nos fascinava com o passado. E era nosso amigo, dizia ele, o Sousa Veloso.


                                                    
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O sr. Prudêncio não está aqui a fazer nada. O Sr. Prudêncio está deslocado, como estava deslocado na altura. Fumava, bebia vinho, enterrava o lixo no quintal e aplicava pesticidas como quem aplica napalm sobre as florestas tropicais. Tudo muito natural para aquela época. A dona Prudência ( que falta de originalidade) lavava a roupa infestada num tanque e concerteza preparava as batatinhas assadas e a sopinha para o sr. Prudêncio, tal qual a Joaninha da "Cidade e as Serras" de cem anos antes.
O sr. Prudêncio era como o intervalo dos filmes, "intervalo".

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O sr Anthímio era um caso sério. Num tempo em que o tempo só a Deus previa, entrava o Sr Anthímio professoral e humilde pela nossa sala dentro como quem dá uma aula aos netos. Rigoroso e mais uma vez, comunicativo, explicando as sinuosas curvas isobáricas , os A e os B dos ciclones e anti-ciclones, punha Portugal em pé, do Minho ao Algarve, informando do estado do tempo para o futuro. Mais um que nos falava do futuro. Não de um futuro distante e promissor, para quando crescermos, mas um futuro que se vê ali mesmo ao virar da noite. Amanhã chove, não chove? Uma massa de ar quente vinda do Norte de África, temperaturas anormais para esta época do ano, mílimetros de chuva por metro quadrado, o sistema montanhoso Montejunto-Estrela... "Tudo mentira! Isso e os homens terem poisado na Lua... bah!". Portugal a dois tempos, como ainda hoje sucede.
O boletim meteorológico foi tão importante para o meu caminho como o mundo submarino de Jacques Cousteau, pois as ondulações de Noroeste com cerca de dois metros de altura e o vento soprando moderado do quadrante Sul foram sempre orientando as minhas incursões pelo mar adentro.
Rumo ao futuro que se vê.

1- Foto obtida no museu "undergroung" de Berado ( 2011)
2 e 3 -Desenhos em redor do puxadouro-Válega ( forum Unesco- 2002)
4- Proa de Moliceiro no Bico - Murtosa ( 2009)
5- Foto de José Fangueiro

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