Levantei-me cedo, antes das 7. Tinham-me informado da presença de um pequeno iate de 1898 que ali estaria aportado, e não queria deixar a ilha sem observar essa raridade. Estava uma linda manhã, fui percorrendo os cais, muito acessíveis a todos os passeantes, sem barreiras, cercas ou entraves. E ali estava! Que bela embarcação, IONA, RYS, 1898, impecável. O Royal Yacht Squadron está muito bem representado no sul de França, mas esta é uma joia! E mais além um outro, de mais recente, "EILUD" anos 30.
O reboliço começa lentamente a regressar aos cais, e decido regressar ao "Macien"para o pequeno almoço. Despedimo-nos de Jean Pierre, já com melhor aspeto, mas mesmo assim... Partiu de barco na carreira regular em direção a Toulon e dali para sua casa, na Bretanha. Zarpámos a motor, vento fraco, por volta das 9:30.
Passámos ao longo das ilhas, a última, Ilha de Levante, base militar e reserva total. Obrigatório guardar distância... Voltando à ilha de Porquerolles, produz um excelente rosé, que acompanhou ao jantar ovas de peixe... que harmonia! Continuavamos a motor mas eis que se levanta uma brisa de feição e navegámos até ao meio dia, pois Vincent decidiu que iriamos almoçar ancorados na baía de "Uchan) pequeno recanto maravilhoso da costa, sem habitações , apenas uma equipa de escuteiros ou estudantes fazendo uma observações na praia, areia límpa, água transparente. Lançámos ferro. e preparámos o almoço. Chega uma outra embarcação que fundeia a considerável distância. Um iole, o famoso "Stormy Weather". RYS, hasvia tripulação a bordo que serviu o almoço no convés a um casal de cabelos brancos. Zarpámos depois de um banho de sol e uma sesta, por volta das 15:30, já o nosso vizinho de ocasião desaparecera no azul mediterrânico. Logo após a saída encontrámos o vento de Sw e fiz quase toda a viagem até St Tropez ao leme do Macien, ventos de 12/13 velocidade 6/7, entramos no golfo para pernoitar, cambei, sem avisar os restantes e mesmo com vento fraco, o golpe na escota foi deveras violento, Vincent não ficou nada satisfeito... enfim a diferença para um pequeno "Vouga" de seis metros é algo que se apreende, velejando. Mas não foi muito bonito, tínhamos que lançar ferro e cultivar o "Ricard" quanto antes.
Os nossos amigos franceses cultivam o rosé, o ricard, também wisky e rhum, mas o ricard é uma espécie de todo o terreno que dá para todas as ocasiões. Não é da preferência do Carlos e eu, após um copito, não quero repetir. Lançamos ferro por volta das 18:15 em frente ao jardim da casa que pertenceu a Karajan, pequena fachada neoclássica virada à baía, em contraste com outras casinhas mais adoçadas ao terreno, mais de acordo com a pequena parcela que ocupam. Ali ao lado, a casinha de Brigite, envolta em pinheiros. Adivinha-se, não se vê. O que se vê é o muro que ela construiu junto á água, impedindo os paparazzi de se ocultarem entre arbustos, ou em pequenas embarcações. Este muro que se vê bem e é o único na baía, só foi possível fruto de uma autorização especial de Charles de Gaule, admirador incansável de Brigitte Bardot... nos idos anos de 60. Iniciámos lentamente, os preparativos para o jantar, a despensa vazia, vasculhámos o fundo e... surpresa, Confit de Cannard! Tipicamente francês, desta vez o comando da cozinha pertencia a Vincent. Procedimento; retirar o animal (coxas e peito) que estava cndicionado em duas latas grandes mergulhado em gordura, aquecer num tacho e só com a gordura fritar batatinhas aos cubos ( hum!) acompanhou ervilhas soltas e arroz seco, com a gordura do pato fritamos um pouco o alho e... arroz lá para dentro, e só depois a água, tudo acompanhado com um bom tinto que se prolongou até aos queijos de que destaco morbien e camembert. Todo o jantar ao som de Chopin, cenário de fim de tarde majestoso.
Telefonei para casa, durante a conversa um cardume de paquenos sargos percorria o casco do Macien.
Terça, dia 21 Baía de Sta Tropez/ Cannes.
Acordei cedo, o dia estava lindo! O nascer do Sol iluminava e aquecia aquele sítio, de uma beleza admirável. Eram 8 horas, tomava banho de sol no convés e aguardava algum reboliço no interior ou sinais de preparativos para o pequeno almoço. Ou o habitual grito de guerra de Vincent: " Attention medames e monssieus, faites attention! Ça va commencer." De quando em vez, dando sinal de boa disposição, soava esta frase vinda do mais genuíno e simples pensamento matinal, normalmente acompanhada por um cantarolar desta ou daquela música, oriunda de diferentes culturas musicais. Vincent é personagem que nos faz sentir bem a bordo, possuidor de uma sensibilidade e delicadeza espontânea e verdadeira, para além das qualidades marinheiras que já referi.
Mas ainda não se ouvia sinal de vida ativa a bordo... do Macien.
Um mini-zebro fazia a viagem entre um dos barcos ancorados junto a nós e a praia, uma senhora tomava banhos de sol no pontão mesmo em frente, aí a uns 30 metros e outras pessoas passeavam pelo caminho que contornava a praia e separava os jardins privados, da água.
Mergulhei, dei umas braçadas, os amigos já estavam a pé. Após o pequeno almoço fizemos algumas reparações no Macien, O Carlos é perito nestas bricolages, puxadores que não funcionam, lâmpadas que se intimidam com o escurecer, eu fiz de costureiro ...
Saímos quando o vento começou a levantar, sempre velejando, desde a rocha/farolim que assinala a entrada no Golfo de St Tropez. Andámos bem, vento chegou aos 14 nós, de SE e atingímos os 7.1 de velocidade, no encalço de um outro veleiro que acabámos por passar. "Very nice!" Vincent passou para o leme, iamos fazendo uns bordos e depressa chegámos a Cannes onde ocorria o famoso festival de cinema. Uma grande festa! Passámos junto ao iate "Christina" que pertenceu a Onassis onde pernoitaram a Callas a Jaqueline e muitas outras pessoas. Hoje, parece um pequeno barquinho, pois os que estão ao seu lado têm 3, 4, vezes o seu tamanho, e muito mais.
Mas o que surpreende aqui em Cannes , no festival de cinema, é toda a transformação na vida que envolve a marina. Um escuna de dois mastros classica, dos anos 30, entra o porto com duas colunas estrondosas, emitindo um som que me perecia pimba de Cannes, ou coisa que o valha muitos saltos de dança no convés. festa de parolos num grande barco. Acostou milimetricamente entre dois colossos, um deles muito iluminado, viam-se vestidos longos e rodava o champanhe. Havia festa por todo o lado, os Cais e a cidade estavam ocupados pela gente do cinema, negócios, glamour e belezas surpreendentes nas ruas. Mesmo muito surpreendentes, chiques starlettes, homens e mulheres com estilo e glamour atravessando passadeiras sempre que o sinal verde surgia. E parados, esperando o sinal, observavamos e ouviamos os sotaques, o linguarejar global de uma cidade cosmopolita. E todas as profissões, todas, ali passeavam e se sentavam ao nosso lado nas esplanadas, e também faziamos parte daquele filme, E ainda poderiamos falar dos automóveis, dos autocarros, dos Sheiques, das fachadas decoradas a rigor, cinema cinema, cinema.
Voltando ao Macien, seria a última noite a bordo, Limpámos muito bem o convés, tarefa de alambaz moderno, o interior, tudo. Jantamos qualquercoisita e logo que os sons acalmaram fomos dormir. Quando acordámos um duche nas instalações da Marina, dignas de um Clube de Vela exclusivo, tomámos o pequeno almoço simples, e partimos para o Aeroporto de Nice, de Autocarro.
Au revoir Cannes!
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